Um pedaço de barro havia feito uma esteira parar de funcionar numa olaria em Brasilândia, no Mato Grosso do Sul. Quando o trabalhador tentou fazer a esteira voltar a funcionar, se desequilibrou e caiu vivo dentro do triturador de barro, morrendo imediatamente. A empresa havia descumprido 23 regras presentes da NR-12, incluindo a falta de uma parada de emergência e o isolamento da máquina.
‘Retrocesso inadmissível’
O governo tem mostrado pressa na simplificação das normas de segurança no trabalho. Não só da NR-12, mas de todas as 37 regras de proteção ao trabalhador. No último mês, o Ministério da Economia revelou um cronograma para discuti-las, o que tem gerado preocupação nos auditores fiscais do trabalho responsáveis pela sua aplicação.
“Em um país onde a cada 49 segundos ocorre um acidente de trabalho, a flexibilização das normas de segurança e saúde representa um retrocesso inadmissível e traz enorme preocupação,” diz uma carta assinada pelos chefes da fiscalização de trabalho de todos os estados do país.
Na carta, eles reclamam da falta de transparência desse processo de revisão das normas e afirmam que essas regras foram responsáveis por evitar, desde a sua vigência, “aproximadamente 8 milhões de acidentes e 46 mil mortes”.
A simplificação dessas normas, e especialmente da NR-12, é uma antiga demanda da principal entidade da indústria no país, a CNI (Confederação Nacional da Indústria). As reduções nessas regras estão na “pauta mínima” da agenda legislativa da entidade, que é extremamente crítica a sua atual redação. Segundo esse documento, “as normas são produzidas a partir de premissas equivocadas sobre a relação entre empregados e empregadores, com fundamentos técnicos contaminados ideologicamente, que se preocupam unicamente em impor obrigações para as empresas, sem qualquer preocupação com o impacto que a regulação do trabalho sobre a evolução de custos, a produtividade e até mesmo sobre a garantia de novos direitos e interesses dos trabalhadores”.
Até agora, essas normas eram elaboradas em comissões formadas por trabalhadores, empregadores e o governo, as chamadas comissões tripartites. Uma nova redação para a NR-12 havia sido, inclusive, aprovada por unanimidade neste ano pelas três categorias, em uma negociação que já vinha acontecendo desde a posse de Bolsonaro. Auditores fiscais do trabalho afirmaram à reportagem que a nova norma aprovada pela comissão simplifica a sua redação sem comprometer a segurança do trabalhador, mesma posição defendida pelo Ministério Público do Trabalho.
Segundo o procurador Leonardo Osório Mendonça, coordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat) do Ministério Público do Trabalho, essa versão simplifica a norma sem colocar em risco a saúde dos trabalhadores. “A NR-12 [na versão da comissão] continua sendo uma boa norma, protetiva, importante para a prevenção de acidentes de trabalho. Essa nova redação nem de longe tem o perfil de 90% da redução das normas de segurança [como havia prometido o governo]. Fizeram mudanças principalmente na redação, além dos anexos que não descaracterizam a norma,” diz o procurador.
O governo, porém, ainda precisa publicar o texto aprovado pela comissão, e não há nenhuma garantia do que ele fará isso. Auditores fiscais que conversaram com a reportagem temem que o governo descumpra o que foi discutido na comissão e que o texto aprovado seja distante do sugerido por ela, o que pode acabar causando mais mortes e acidentes.
A Repórter Brasil procurou o Ministério da Economia para saber qual texto seria usado pelo ministério, mas não teve nenhuma resposta. A Fundacentro, instituição ligada ao ministério responsável por pesquisas e estudos sobre segurança do trabalho, não quis se pronunciar. A CNI também foi procurada, mas disse que não tinha um porta-voz disponível para conversar com a reportagem.
Fonte: Texto – Piero Locatelli / Ilustrações – Vitor Flynn / Repórter Brasil