Dezenas de trabalhadoras e trabalhadores do setor público e privado participaram da “Formação Sindical – saúde mental no trabalho e combate ao assédio moral e sexual” realizada na manhã desta sexta-feira (29). Na atividade, a professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB) Ana Magnólia Mendes, afirmou que “onde não há espaço para escuta, vem o adoecimento mental.”

A atividade virtual foi promovida pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais do RS (Sindiserf/RS) e Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Sintrajufe/RS), com apoio do escritório Woida, Magnago, Skrebsky, Colla & Advogados Associados. Na sede do Sindiserf/RS, dirigentes e os trabalhadores da entidade acompanharam a agenda juntos, no auditório do Sindicato.

A professora iniciou sua apresentação abordando as ideologias que tem o atual modelo de produção, que iniciou com o capitalismo industrial e passou para um capitalismo numérico, que opera dentro das instituições, públicas e privadas. “É esse modelo de qualidade total, selos e metas, ou seja, produtivista. E os gestores usam disso para enfraquecer o movimento coletivo, como o sindical”, explicou.

Ideologias que geram assédios

De acordo com Ana Magnólia, na “ideologia da insuficiência” o trabalhador está sempre devendo alguma coisa “o que se articula com uma idealização do próprio corpo, pois temos que agir como máquinas”. A “ideologia da urgência” está relacionada com o tempo, com a conectividade, aceleração e acaba usurpando a capacidade do indivíduo de pensar e refletir. Já na “ideologia da felicidade”, diz respeito à tendência de as pessoas trabalharem medicalizadas para suportar as demandas e se tornar mais ágil e produtivo. Por fim, a “ideologia da performance” é a adaptação tirânica no sentido da auto exploração, do empreendedorismo de si mesmo.

“As ideologias vão operando muitas vezes de forma inconsciente, como um sistema de rede que vamos entrando. Inevitavelmente, onde há tirania haverá abuso de poder, como foi toda a nossa história, produzindo a opressão que é sustentada pelo próprio neoliberalismo”, afirmou a professora.

Ana Magnólia destacou que é a partir de comportamentos antiéticos que nascem os assédios, moral e sexual, que geram medo, vergonha e culpa nos trabalhadores que se sentem indignos e desqualificados. “Quando há esses comportamentos, não há geração de laços sociais, pois para isso é necessário autonomia. Sem esses laços é mais fácil ter o abuso.” A partir do que ela chamou de “discurso do capitalismo colonial”, Ana Magnólia explicou que se instala o discurso tirânico. “E quando escutamos muitas vozes tirânicas, não há espaço para escuta e aí vem o adoecimento mental.”

Tempo de falar

Para ela, patologias como melancolia, apatia e medo foram intensificadas após a pandemia, muito por conta da hipervigilância digital, são produzidas pelo próprio capital. Por fim, Ana Magnólia chamou atenção para a atuação dos sindicatos e o que definiu como “tempo de falar.”

“É necessário produzir um saber singular, considerando as idiossincrasias, construindo coletivos e grupos de falas democráticos, para construir a saída deste labirinto. O modelo capitalista nos faz acreditar que não há outro modelo, mas há sim, todo labirinto tem saída só precisamos saber qual é”, ponderou Ana Magnólia.

Após a advogada da assessoria jurídica do Sindiserf/RS, Juliane Durão lembrou que muitas vezes os assédios são vistos como algo não importante e se buscam justificativas. “Os próprios colegas pensam ‘a pessoa está com problemas pessoais, por isso está mais lenta, devagar’… ou seja, buscam-se justificativas e não ouvem o trabalhador que está passando pela situação”, ponderou.

“Isso ocorre porque temos as ideologias citadas pela professora introjetadas na nossa estrutura social. Por isso, a importância da escuta nos locais de trabalho e do estudo para buscar reconhecer o assédio, procurar ajuda profissional, dos dirigentes sindicais. E aqui, cabe destacar a necessidade de capacitar os diretores dos sindicatos, para que possam reconhecer, combater os assédios e também receber ajuda”, alertou.

A advogada instruiu como proceder em casos de assédios, desde a denúncia até uma possível ação judicial. “Cada caso é um caso e deve ser acompanhado”, finalizou Juliane.

Em seguida, a secretária de Mulher Trabalhadora da CUT-RS, Mara Weber ressaltou a importância dessa contextualização, “pois muitas vezes não nos damos conta por estarmos inseridos neste sistema.” Para Mara, é chegada a hora de construir saídas a partir dessa rede do bem que estuda o tema, criar ambientes acolhedores nos sindicatos.

Mara falou da alteração da Norma Regulamentadora (NR) nº5, que discorre sobre a atuação da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), que inclusive teve sua nomenclatura mudada para Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio (CIPA).

Organização sindical

“Toda estrutura do capitalismo é feita para nos individualizar. Não raro, a vítima se coloca num lugar de responsável por ter sofrido assédio e muitas vezes, é apenas através da coletividade que consegue se reconhecer como vítima”, disse.

“Reproduzimos de forma inconsciente as mesmas práticas, de assédio moral e até mesmo sexual, dentro dos sindicatos”, afirmou ela ao se referir sobre a necessidade de qualificar os dirigentes sindicais. “Precisamos de organização no local de trabalho, abrir espaços de escuta, qualificar os dirigentes e lutar por mudanças nas gestões, pois o local de trabalho não pode ser local de adoecimento”, garantiu Mara.

Na abertura da formação, a secretária-geral do Sindiserf/RS, Eleandra Raquel da Silva Koch ressaltou a importância do debate sobre o assunto e contou como se deu o início da campanha contra os assédios, moral e sexual, que está sendo realizada pelo Sindicato. “É uma atividade muito importante e será uma política continuada”, afirmou.

A secretária de Saúde e Relações de Trabalho do Sintrajufe/RS, Cristina Viana dos Santos, também parabenizou a iniciativa e falou da estrutura da entidade para atender a categoria que sofre assédio. “Esse é tema que nunca se esgota, precisamos estudar sempre”, garantiu.

Campanha

Desde julho, com a criação de um Grupo de Trabalho (GT) de combate aos assédios, moral e sexual, que o Sindiserf/RS está ampliando a formação sindical e desenvolvendo um calendário de ações para o enfrentamento e prevenção de assédios nos ambientes de trabalho e consequentemente, o adoecimento mental.

Uma das ferramentas fundamentais dessa iniciativa é um questionário que o Sindicato está disponibilizando, no site da entidade, para ser respondido pela categoria até o dia 31 de outubro.

Clique aqui para responder o questionário

Fonte: Sindiserf/RS

Fotos: Renata Machado (Sindiserf/RS)