Aplicação do “Fato do Príncipe” para negar pagamento das verbas rescisórias não pode ser utilizada

Por: Manoel Skrebsky / Advogado Trabalhista

Em meio à atual pandemia de COVID-19, o Governo Federal editou as medidas provisórias 927 e 936 com o objetivo de auxiliar empregadores na preservação dos postos de trabalho. Elas permitem reduções de jornadas e salários dos trabalhadores, assim como a suspensão temporária dos contratos de trabalho com a justificativa de evitar demissões. No entanto, mesmo com um aparato de proteção às empresas e suas finanças, o desligamento de trabalhadores dos seus postos de trabalho, sem a percepção das devidas verbas rescisórias, tem se mostrado recorrente, o que desperta o interesse empresarial em aplicar o chamado “Fato do Príncipe”.

Em um primeiro momento, de maneira objetiva, cabe reforçar junto aos trabalhadores que nunca devem ser aceitas justificativas para o não pagamento dos valores rescisórios devidos, tampouco de qualquer direito previsto em Lei. Ao considerar o atual momento de pandemia e as medidas adotadas pelo poder público para o enfrentamento da mesma, transferir a responsabilidade de quitação das verbas trabalhistas ao Estado não condiz com o que a realidade social nos mostra, visto que as medidas são gerais e atingem grandes parcelas das atividades empresariais públicas e privadas.

A aplicação do “Fato do Príncipe”, situação em que determinada ação do Estado interfere na ordem privada e inviabiliza seu funcionamento, só pode ocorrer quando houver determinação do Poder Público que atinge uma empresa ou um setor específico da atividade econômica, o que não é o caso das restrições determinadas para conter a propagação da COVID-19. Também, é preciso compreender que as atividades, de regra, não estão inviabilizadas, mas apenas dificultadas momentaneamente.

Outro ponto destacado que afasta a aplicação do motivo se refere às atuais determinações do Poder Público, que não são discricionárias nem arbitrárias, pois visam resguardar interesses maiores da coletividade, como a preservação da vida e da saúde da população, assim como já apontado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Além disso, destaca-se que o fundamento interpretativo contido nas Medidas Provisórias editadas é o da preservação do emprego, não a facilitação das demissões. Ainda, que o empregador deve responder pelo risco da atividade produtiva, não a transferindo a seus empregados nem à coletividade, fatores que são a contrapartida pela obtenção do lucro, dentro do sistema de valores que preside o capitalismo.

Contudo, a aplicação ou não do Fato do Príncipe como fundamento da negativa pela empresa para o pagamento das verbas rescisórias devidas, para ser válida, deve ser analisada pela Justiça do Trabalho e sempre deve ser chamado ao processo o Ente Público responsável pela medida, que poderá ser responsabilizado pelos pagamentos devidos. Portanto vale o aviso para os trabalhadores e trabalhadoras que tiverem seus direitos negados por este motivo, de que procurem imediatamente auxílio jurídico para os encaminhamentos devidos.

Fonte: WMSC & Advogados Associados